domingo, 23 de setembro de 2012

[Tradução] Gakusei Shoujo capítulo 1 + novo projeto

Primeiramente, a enquete para escolher o novo título a ser traduzido acabou hoje, e o vencedor foi Denpa Onna to Seishun Otoko, com uma margem grande em relação ao segundo colocado! Muito obrigada a todos que votaram. Infelizmente para quem votou em Denpa, ainda estimo um mês ou dois para iniciar a tradução, que se dará a partir do quarto volume. Sei como é ruim esperar, mas é para dar tempo de reler tudo e garantir mais qualidade.

Sem mais demora, apresento o primeiro capítulo de Gakusei Shoujo! É um capítulo grande e intenso, e o verdadeiro prólogo da história. Apesar do tamanho, só vou compilar os capítulos em .pdf quando terminar o livro, então peço desculpas pelo incoveniente de ler no blog -- quem não tiver acesso constante a internet, por favor, salve a página. Achei melhor passar a narrativa toda para o passado ao invés de manter as mudanças de tempo do original, para fazer mais sentido em português e também manter minha sanidade.

P.S.: Pra quem me chama de vocês, eu sou um time de um homem (ou mulher) só...


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Capítulo 1
Quem sugeriu irmos às termas em primeiro lugar foi meu colega Freddie. Quando eu estava sendo perseguido pela data-limite de entrega de um artigo crítico para uma revista, Freddie entrou em meu escritório dizendo isso.
“Wolf, não aguento mais. As termas estão nos chamando. Vamos!”
Freddie era um sujeito tipicamente alemão – fogoso, cabelo loiro e dono de uma audácia exagerada. Ele aproximou o rosto de mim; pensei como aquilo era cansativo, e respondi-lhe coçando entre as sobrancelhas com a caneta bico de pena.
“Seu prazo também está arriscado, não está? Nossa coletânea de críticas será posta à venda no próximo mês, mas você ainda não completou o manuscrito, o que isso significa?”
Freddie abriu os braços teatralmente e começou a discursar.
“Nós somos livres! Como donos de almas superiores e ardorosas, somos livres de corpo, alma e prazo! Você não pensa assim, Wolf?!”
Freddie curvou-se no chão como uma minhoca.
“O que está fazendo...?’
“A pose de ‘sinto muita dor na lombar e não posso de maneira alguma escrever um manuscrito a não ser que seja curado por águas medicinais’.”
“Ouvi que você foi a um baile ontem; para quem sente dor na lombar, você dançou bastante”
“Ah, isso é que...” Freddie aparentou cansaço por um momento e levantou em seguida. “Também devemos ser livres das dores no lombo!”
“Então escreva o manuscrito”
“Uugh, mas é que também tem a dor de cabeça”
“Sou eu quem está com a cabeça doendo!”
Joguei pelos ares a pilha de textos ainda por revisar.
“Se quer ir às termas, tente terminar tudo hoje mesmo!”
Freddie fez uma expressão sofrida e tossiu, aparentemente de propósito.
“Minha tuberculose...”
“Certo, certo. Então você também precisa suspender a bebida e restringir as saídas à noite, não é?”
Diante de minha resposta indiferente, ele deixou o escritório, segurando um amontoado massivo de folhas de papel.
Seu nome inteiro era Johann Christoph Friedrich von Schiller, um dos mais consagrados autores da literatura alemã. Parecia que fora um grande poeta e dramaturgo que, junto com Goethe (esse seria eu), construiu o chamado Classicismo de Weimar; mas, para mim, ele era só um colega de trabalho preguiçoso. Sempre estava arranjando alguma desculpa para procrastinar com os manuscritos, e depois acabava saindo para beber ou ir ao teatro.
Creio que a comunicação seria mais fácil se escrevesse seu nome como Schiller, mas optei por chama-lo de Freddie ao longo desta história. Ambos os nossos primeiros nomes são Johann, o que é confuso, então nos chamamos de apelidos tirados de nossos nomes do meio. Eu sou “Wolf”, de “Wolfgang”, e ele é “Freddie”, de “Friedrich”. De modo geral, os outros nos chamavam de “Mestre Goethe” ou “Mestre Schiller”. Nunca pensei que seria chamado de mestre com esta idade, pois, embora Goethe fosse obviamente bem mais velho, ainda pensava como o estudante do ensino médio trazido do Japão do século XXI.
Pousei a caneta sobre a mesa, arrumei as costas cansadas na cadeira e respirei fundo.
Já me acostumara bastante mesmo a isto. Acabei por me acostumar a fingir ser Goethe e a fazer seu trabalho diário, aproximadamente um mês após ser trazido aqui por um demônio.
Não tinha jeito. Eu também precisava de comida e um lugar para dormir, e não tinha como viver por mim mesmo nesta terra desconhecida; tudo o que podia fazer para evitar contato com muitas pessoas é continuar o trabalho de Goethe, e, seja sorte ou azar, conseguia fazer isso.
Como dissera Mephistopheles, passei a tratar alemão com a fluência de uma língua materna, e consigo escrever rapidamente as críticas literárias que me são encomendadas por jornais e revistas. Era uma sensação extremamente desagradável, e percebia que, realmente, devia haver uma parte de Goethe misturada dentro de mim.
A possibilidade de, talvez, já não poder mais voltar ao século XXI é de fazer chorar, então tentava ao máximo não pensar nela. Não adianta de nada mergulhar em desespero. Além disso, havia uma esperança, ainda que pequena. Era por isso, também, que continuava a vida como Goethe, afinal, foi ele próprio quem me chamou a este século XIX. Será que ele não saberia, então, uma maneira de voltar? Se eu me aproximasse dele como existência, será que conseguiria lembrar?
Por outro lado, havia um frio de preocupação dentro de meu peito – e se, continuando assim, eu me tornasse Goethe por completo, e perdesse a vontade de voltar ainda que relembrasse como fazê-lo? A rigor, nem lembro de meu próprio nome. Isso porque tive minhas memórias roubadas pelo demônio como prova do contrato. Talvez eu estivesse esquecendo muitas outras coisas, e apenas não tenha dado conta disso.
Suprimindo essas angústias, mais uma vez hoje eu chutei o traseiro de Freddie, e, mantendo firmemente a imitação de Goethe, estou escrevendo artigos e colunas.
O telefone sobre a escrivaninha tocou. Era um aparelho de ar antigo e elegante, esculpido numa caixa de madeira, e seu som era terrivelmente rouco. Apanhei o receptor em forma de chifre e o levei à orelha.
“Alô. Aqui é o escritório Goethe & Schiller”
“Ah, Mestre Goethe! Aqui é do Jornal de Artes Liberais de Frankfurt! O Mestre Schiller, o Mestre Schiller encontra-se? Tentei ligar para ele, mas não consigo de modo algum! Ficou acordado que ele entregaria o manuscrito até anteontem, não ééé??”
“Ah, Freddie...”
Fixei o olhar na parede. Aquele cara estava trabalhando como deveria?
“Os prazos já não têm mais jeito, não tem mais jeito, o mestre Schiller não sai para beber ou vai ao teatro ou dorme ou faz pose de minhoca, faz?! Não estou brincando!”
Era mais ou menos assim, mas não adiantava reclamar comigo. Disse ao editor que lhe questionaria sobre o assunto e encerrei a ligação. Não deve dar tempo, pensei ao lembrar da situação de Freddie.
Apesar disso, ele era algo de especial quando se esforça. Um editor do jornal visitou no cair da tarde do mesmo dia, e, quando o recebia com café, a porta da sala de visitas abriu-se com violência e Freddie entrou, descabelado e com o olhar de um urso.
“Terminei, espere, desgraçado!”
Ele me lançou um envelope entupido de manuscritos. O editor saltou em êxtase. Freddie apontou o dedo para mim.
“E então, Wolf, eu terminei tudo hoje! Vamos às termas como você prometeu!  Reserve um hotel de luxo em Karlsbald, vamos nos divertir como reis!”
“Ah... Nós vamos mesmo?”
Não pensava que ele me levaria a sério e realmente terminaria tudo hoje, e estava arrependido do que dissera sem prestar atenção.
“Termas, o mestre diz? Por que não, já que por hora recebi os manuscritos destinados a nossa empresa, que tal descansar com calma?” O editor também falou por falar, como se o invejasse. “Atualmente, Karlsbald é um ponto turístico famoso também entre as mulheres, então há por lá muitas mocinhas. O quão populares seriam ambos os mestres juntos, pergunto-me”
“Ir às termas por dor no lombo é tão coisa de velho...”, deixo escapar um murmúrio.
“Eu sou um velho, desculpe!” Freddie irrita-se. “E você, Wolf, é dez anos mais velho que eu, mas fica aí com esse corpo jovem em que pôs as mãos! Eu também quero viver a juventude de novo!”
Eu dei de ombros. Não me apossei dele nem nada do gênero, este sempre foi meu corpo.
“Não, não, Mestre Goethe, termas não se resumem a banhos terapêuticos! Caminhar pelas paisagens deslumbrantes revigora a mente, e mesmo desperta o impulso criativo. Desta maneira, o mestre poderia voltar a ter inspiração para escrever uma peça ou romance.”
Eu me calei, mal-humorado.
Freddie disse, “Exatamente. Está na hora de escrever um original, Wolf. Já não faz mais de uma década que você se dedica só à política e a críticas? O quanto acha que as ofertas dos teatros se acumularam? Não me obrigue a fazer tudo sozinho”
“Certo... Logo, logo...”
Dei uma resposta ambígua. Após lançar um apelo de “no caso de uma nova publicação, por favor, conte com nossa empresa!”, o editor deixou a sala de visitas. Talvez por não restar nenhum estranho, Freddie começa a falar muito alto.
“Ei, Wolf, até que enfim um romance ou uma peça! Justo quando pensava em como poderíamos lucrar, um romance ou uma peça! Eu também tentei de tudo, mas o que deu certo foram peças como “Os Bandoleiros”  e “A Donzela de Orleans”! Foram representadas por toda a Europa, e mesmo moleques as repetiam,  foi uma realização e tanto! Graças a elas, conseguia viver por um ano sem me preocupar. Queria acertar mais uma vez”
Não queria olhar para aquele Schiller pão-duro... Bem, nunca havia lido nada de literatura alemã, então não era bem um desencanto.
“Wolfi, escreva uma peça também. Há mais de dez anos você não lança nada, desde “Tasso”, não é? Também está ignorando os romances, não está? Tanto os políticos quanto as revistas lucraram”
“Ah, sim”, respondi com meias palavras.
“Olha, desde voltar a ser jovem você está estranho. Não sente vontade de começar algum trabalho original enorme?”
Mais ou menos metade disso era mentira. A verdade era só que era muito trabalhoso. Consiguia escrever críticas e colunas, então se pensasse que queria criar uma história nova, era provável que conseguisse. Porém, ainda que fosse o Goethe dentro de mim escrevendo, os papeis não eram preenchidos da noite para o dia. Eram meu cérebro e minha mão que eram usados, e também eu quem me cansava. Além disso, escrever um livro devia cansar dez mil vezes mais que uma crítica. Era melhor continuar a enganá-lo com a falsa má condição física.
Freddie relutou por um momento, e logo desfez a ruga entre as sobrancelhas.
“Hmm, precisamos ir às termas mais do que nunca!”
Oh? Ele retornou à conversa agradável.
“Se quer partir amanhã, compre logo as passagens de trem, com refeições incluídas, óbvio. Ou não, nesta época podemos ir de dirigível”
“Eu também tenho que fazer as reservas?”
“Não é nada para me orgulhar, mas eu não sei como comprar as passagens nem usar um telefone!”
Realmente não parece que você sente orgulho, então não fale cheio de si.
Eu suspirei e dirigi-me ao quarto de dormir no segundo andar. Abri as cortinas, e percorri com o olhar a cidade de Weimar. Casas com paredes brancas seguiam de ambos os lados das ladeiras marcadas por sulcos, e, na praça bem no meio da cidade cheia de verde, o teatro municipal em estilo grego e a mansão da Princesa Anna Amalia estão de frente um para o outro. Se bem me lembrava, havia uma escultura de bronze de mim e Freddie na mesma praça, o que me faz sentir frio por dentro. Será que parte da estátua seria refeita como um japonês de dezesseis anos?
Bem, realmente não era motivo de orgulho, mas também não fazia ideia de como procurar por reservas de hotel ou transporte. Afinal, até o mês passado era um estudante do colegial no Japão. Ei, Goethe. Senhor Goethe. Faça-me lembrar de como fazer reservas por telefone assim como você fez com os manuscritos.
Nenhuma reação.
Irritado, bagunço o cabelo de jeito bruto. Não há por que ele me lembrar de tudo só porque o chamei. Se fosse prático assim, já teria lembrado algum jeito de voltar ao Japão, ao invés de como fazer manuscritos ou reservas para viajar às termas.
Não tem jeito, como não funcionou, precisava pedir para ela.
“Apareça, Mephi”, sussurrei para o céu anoitecendo.
Por algum tempo, não ocorreu nada, além de o vento da tardinha entrar pela janela e fazer barulho ao balançar os papeis sobre a mesa.
Então ela realmente não viria? Depois de me trazer para esta Alemanha do século XIX, aquela mulher me largou por completo. Ela não disse algo sobre ouvir todas as minhas ordens? Não, não é como se eu quisesse esse tipo de serviço dela, só fiquei no espírito para ir um pouco às termas, mas de modo algum queria que Mephi fosse junto.
Depois de formular várias desculpas, que sequer sabia para quem estava apresentando, tentei fechar a janela, quando um som cortando o vento passou bem ao lado de minha orelha. Alguma pequena sombra negra entrou voando no quarto. Quando me virei, havia um corvo parado ao lado do travesseiro na cama. Diante de meus olhos, seu corpo diminuto começou a se deformar e crescer, suas penas pretas se transformaram em cabelo e tecido lustrosos, e aparecia pele entre eles.
“Evocou-me, Senhor Yuki?”
Transformada por completo numa mulher humana, Mephi – o demônio Mephistopheles – disse isso, e cuidadosamente fez surgir orelhas de cão do cabelo no topo da cabeça.
Eu observara toda a transformação com a boca entreaberta. Não pensara que ela apareceria para um fim destes. Aproximei-me dela, e, escondendo meu embaraço, disse de modo meio estúpido,
“...Quantas vezes acha que te chamei até agora?”
Estava mais tranquilo do que irritado, mas não podia deixar transparecer. Não sabia o que ela poderia dizer.
“Ora, não foram repassados os termos do contrato?” Mephi inclina o pescoço.
“Você não devia atender a minhas ordens?”
“Não a todas elas. Apenas àquelas destinadas a suprir os desejos do senhor.”
Agora fui eu quem inclinou o pescoço.
“Não, mas, aquilo que quero que você faça”
Mephi caminhou para perto e colocou as mãos sobre meu rosto. Dei para trás por causa do susto, e acabei batendo as costas no parapeito da janela.
“Meus poderes só podem ser utilizados para atender à profunda ânsia do senhor de desfrutar de tudo que o mundo tem para oferecer. Tratando-se de algo que meramente deseje que eu faça, não moverei sequer um dedo”
O que são essas condições adicionadas de última hora? Você é uma companhia de seguros americana, por acaso...?
“Então, por que você ignorou meu primeiro desejo e desapareceu?”
“Vejamos?”
“Não se faça de desentendida!” Eu quero voltar ao Japão!”
“Neste momento histórico, o Japão encontra-se isolado pela Holanda”
“Nunca disse nada deste período! Quero voltar ao Japão do século XXI!”
“Como quiser. Contudo, levará aproximadamente duzentos anos”
“Pare com isso, você não tem a menor intenção de me levar de volta, não é?!”
“Falando honestamente, é esse o caso”
Balancei as sobrancelhas, acalmei a respiração, e aconselhei a mim mesmo que me irritar não adiantaria de nada.
“Caso o senhor retorne, não acabarei por não receber sua alma? Tal pedido extrapola o contrato”
Mephi fala essas coisas, mas foi Goethe, e não eu quem fez o contrato. Não sei se houve algum documento, e também não posso rever os termos. Não importa o que eu fale, não posso refutar.
“Se é assim, então por que você apareceu agora?”
“Porque, desta vez, o desejo do senhor foi forte o suficiente. Bem, lerei agora qual o tipo de desejo...”
“Hã?”
Mephi segurou minha cabeça firmemente com as duas mãos, e, quando aproximou o rosto de mim, lambeu meu rosto com sua língua como de cobra.
“E,ei!”
Mesmo que tentasse fugir, a força dos braços de um demônio não é algo que possa vencer com mãos humanas. Ao retrair a língua, Mephi finalmente tira as mãos de mim.
“Senhor Yuki, por mais lamentável que seja”, ela fala com uma expressão sombria, “as termas da Europa deste período não são mistas”
“O que exatamente você leu?!”
Empurrei-a para longe. Ela passou a língua pelos lábios e recostou na cama.
“Como por fim fui chamada, pensei sentir o aroma de um desejo mais apropriado, mas tratava-se apenas de organizar uma ida às termas...”
“Não tem problema, tem? Não sei nem mesmo para onde devo ligar. Além disso, Mephi, como desta vez você finalmente apareceu, tenho uma montanha de coisas para perguntar!”
“Muito bom. Também tenho algo a perguntar ao senhor Yuki.”
“...O quê?”
“Tenho mesmo tão poucos atrativos femininos?”
Fui perguntado de repente, e, quando me dei conta, o rosto de Mephi estava a uma distância de menos de um palmo, e tinha o joelho dobrado entre minhas pernas. Recuei de vez, quase a ponto de cair da janela, que deixara aberta.
“O, o quê? Por que está fazendo isso”
“Como o senhor Yuki é um estudante colegial de dezesseis anos, um período muito próspero, estava convencida de que pediria a mim apenas esse tipo de desejo, satisfazendo-se em pouco tempo e encerrando o contrato... De que seria um trabalho simples.
Fugindo do assédio de Mephi, recolhi-me a um canto do quarto.
“Você disse estudante colegial, não foi? Eu realmente ainda estou do mesmo jeito, não é?”
Mephi fez um trejeito bonitinho colocando um dedo na bochecha.
“Isto pode-se averiguar simplesmente olhando...”
“É isso, isso é o mais estranho!”, exclamei, batendo no peito.
“Não era para eu me tornar Goethe? Só que eu ainda me sinto como um estudante japonês de corpo e alma? Graças a isso, não sei quase nada da cidade, nem dos costumes, e a comida é horrível!”
“Ora, o senhor Yuki preferiria ter sua própria personalidade apagada por completo?”
“N-não, não é isso, mas”
Há momentos em que acabo pensando que teria sido melhor assim, mas não é o que realmente penso. Isso seria o mesmo que morrer para não sofrer. De qualquer modo, não tenho maiores problemas a não ser não lembrar de meu nome, mas ainda assim é muito inconveniente.
“O senhor consegue falar alemão, não?”
“Consigo, mas” Inclusive, estou falando agora.
“O senhor também consegue escrever críticas literárias rapidamente. Além disso, com certeza o senhor tem conhecimento sobre os clássicos da literatura, e versos lhe vêm à mente sem qualquer empecilho. Os trabalhos do senhor prosseguem normalmente, não?”
“Sim, bem...”
“Portanto, o senhor é o legítimo senhor Johann Wolfgang von Goethe. O motivo pelo qual ainda se entende como um estudante morando no Japão do século XXI são os restos da memória da alma que se misturou, e o fato de não se recorda de detalhes deste tempo é um efeito colateral da volta à juventude. Não há nada digno de sua preocupação”
Hesitei em falar, apenas sentindo minha própria saliva com um gosto estranho na língua.
De certo, tenho lembranças de ter vivido como Goethe. Porém, elas estão trancadas em gavetas alinhadas numa prateleira. É fato que ainda estão lá, mas não sei bem o quê está onde. Por vezes penso “ah, é mesmo” se alguém conversar comigo, mas não consigo viver ativamente com base nas experiências que acumulei. Por isso, continuo como um estrangeiro nesta Weimar, que sequer é minha terra natal.
Eu segurava a cabeça; Mephi falou sem qualquer traço de seriedade.
“Aqueles à sua volta também o reconhecem como Goethe, então não haveria nada para criar problemas”
“Isso também é estranho!” Eu levantei o rosto.
“Por que todos reconheceram logo de cara? Suas reações são como se Goethe voltar a ser jovem fosse perfeitamente óbvio! Freddie é assim, os ajudantes, os repórteres e os colegas também”
“Goethe era um autêntico lolicon, a ponto de tentar se casar com uma garota de menos de vinte anos mesmo tendo mais de setenta, então voltar à juventude também seria óbvio para ele”
“Que lógica é essa?!” E não diga lolicon, acho que Jung e Nabokov ainda nem nasceram.
“Mesmo as pessoas do mundo pensam que ’não seria impossível voltar a ser jovem com a fé e o desejo sexual de Goethe.”
Passei a não querer retornar ao Japão por outro motivo...
“Ei, um humano rejuvenesceu. Mais do que rejuvenescer, seu corpo agora é completamente diferente, por que todos não levam isso mais a sério?”
“Porque isto é algo comum devido às atividades de nós, demônios”
Rocei as costas contra a parede e retraí-me ao chão. Comum? É mesmo?
“Digo, o senhor não deve tornar público que este é o feito de um demônio.” Mephi falou num tom absolutamente calmo. “Porque os caçadores de bruxas deste período são assustadores. Como é normal que estejam armados com metralhadoras, você viraria uma colmeia”
Que época é esta, metralhadoras...
Confirmei com Mephi a suposição que evoluiu de “possivelmente” para “deve ser isso mesmo” durante o mês que se passou, depois que fui trazido para Weimar.
“Este não é o século XIX que eu conheço, certo?”
Mephi virou a cabeça. “Como?”
Por que ela se fez de idiota? Continuei falando.
“Esta época não está conectada ao século XXI em que eu vivia, não é? Várias coisas são bem diferentes...”
Mephi deu de ombros, e falou, “Qual a base de tal afirmação?”
“É claro que não tem telefones no século XIX!”
Apontei para a base do telefone, irritado com o jeito dela de fingir inocência.
“Além disso, trens! E, para completar, aeroplanos! Fotografias e jornais circulam normalmente!”
“Peço que aproveite ao máximo sua segunda jovem vida sem deixar pormenores subirem-lhe à cabeça”
“Não são pormenores! O exército francês têm até tanques!”
Bati seguidamente no jornal aberto sobre a mesa. Uma fotografia angustiante, que mostrava os tanques do exército da República Francesa esmagando o esquadrão inglês à foz do rio Rhine, estava reproduzida grande no topo da página.
Eram de forma bem diferente do que os que eu conhecia, os totalmente blindados que se locomovem sobre esteiras, mas não havia dúvida de que aqueles veículos equipados com um topo rotatório eram tanques de guerra. É claro que essas coisas não existem no século XIX.
Mephi suspirou e corrigiu a postura.
“De fato, como o senhor Yuki diz, este cenário encontra-se mais avançado do que o século XIX conhecido pelo senhor. Contudo, o fluxo da história é único. Não importa em quantos galhos se ramifique, ao reuni-los novamente, é a mesma água que corre. De modo algum as águas transferiram-se para outro rio.”
“...O quê?”
“O senhor supõe que é o único?”
“Hã?”
“Supõe que é o único humano a ter sido levado contra a correnteza do tempo?”
Calei-me. Havia mais gente além de mim que foi trazida do futuro?
Se fosse assim, havia a possibilidade de acelerar o desenvolvimento das técnicas graças a conhecimentos que não deveriam existir ainda.
“E quem seriam?”
“Não sei, é uma questão de possibilidades. Não saberia responder. O contrato com Goethe nesta ocasião é a primeira vez em que me encarrego de algo tão trabalhoso.”
“...Há outros demônios além de você, Mephi?”
“Certamente. São todos uma grande massa, e nenhum é tão belo ou poderoso quanto eu, mas estão espalhados por toda a Europa.”
Expirei lentamente pelo nariz. Estou num mundo absurdo.
“Todavia, não é nada em que deva pensar tanto”
Mephi afilou os olhos e riu, acendendo em seu olhar uma chama verde-esmeralda.
O sorriso de um demônio.
“Aquilo que os humanos desejam ao puxar para si o poder dos demônios não mudou ao longo da história. Todos morrem quando chega o momento. O único capaz de reverter essa lei é...”
Ela dirige o olhar para fora da janela, ao longe. A torre da Igreja Municipal de São Pedro e Paulo ardia em chamas sob a luz do anoitecer.
“Aquele que mora no alto”
Esta é a mesma paisagem do dia em que cheguei a Weimar, e que Goethe viu por tantas décadas. Não é a cidade em que nasci ou cresci, nem onde passei muito tempo, mas sentia aquela beirada de janela nostálgica como se houvesse sido gravada em mim.



Até certo ponto, era graças a Freddie que conseguia viver como Goethe nesta Alemanha do século XIX, aonde fui trazido à força e sem saber de nada.
“Parabéns, parabéns. Vamos beber, Wolf. Cara, não sabia o que fazer quando seu corpo velho foi rodeado por bolhas e sumiu. Que bom, que bom”
Freddie riu, levantando a caneca cerâmica cheia de cerveja. Esta foi a noite após eu ter vindo a Weimar pelas mãos de um demônio. Estava estupefato e ainda não conseguia aceitar que acordara em meu próprio corpo, e Freddie me arrastou para o bar.
“Er, senhor Schiller?”
“O que foi? Não me chame desse jeito estranho, parece que não me conhece. Já nos conhecemos há dez anos, e você próprio é mais de dez anos mais velho”
“Não, entenda, Freddie soa um pouco íntimo demais... É que eu não sou Goethe, sou outra pessoa, vim para cá forçado” Expliquei desesperado, a ponto de chorar, mas a resposta de Freddie foi assim.
“Japão, foi o que disse? Isso mesmo? Você foi evocado a esta era e passou a ser Wolf, não? Eu vi muito bem você aparecer de dentro dos borbulhos”
“Eu não virei Goethe nem nada assim, ainda sou um japonês da cabeça aos pés!”
“Mas você está falando alemão fluente”
“Bem, isto, acho que mexeram nas coisas para que ficasse assim”
“Você também lembrava que me chamava de Freddie, ora”
“Ah, falando nisso... Acho que algumas das memórias de Goethe foram afetadas”
“Lembra qual é meu tipo de cerveja favorito?”
“Rauchbier”
“Certo. Quanto é o salário da empregada? Se bem que eu não lembro”
“8 gulden e 4 groschen” Por algum motivo, acabo lembrando. A sensação é horrível.
“Você sabe mais detalhes que eu! Você é um perfeito Wolfgang Goethe, relaxe.”
“Não, já disse que estava no Japão do século XXI até—”
“Nossa, você também lembra de tudo de lá? Que inveja. Poder experimentar duas vidas é de fazer um escritor babar.”
“Er, senhor Schiller”
“Me chame de Freddie, embora talvez se sinta mal”
“Senhor Freddie”
“Você é mais velho que eu, se eu que sou mais novo te chamo pelo nome, pare com os honoríficos também!”
“Freddie! Mas isso não importa, você não ouviu nada de Goethe? Digo, não eu, mas Goethe antes de rejuvenescer. Algo sobre como ele fez isso, ou porque fui evocado”
Se ele soubesse como eu fora chamado, talvez soubesse o modo de retornar, pensei, e perguntei agarrando-me a um fio de esperança.
“Sinceramente, não” Freddie deu de ombros. “Você adorava magia, mas eu sou o contrário. O que foi? Quer voltar ao Japão?”
“Não é óbvio?!”
“O Japão parece bom, queria ir lá alguma vez, ei, Wolf, quando tiver tempo, vamos juntos?”
Embora eu ainda fosse um estudante japonês por completo, Freddie me tratava, despreocupadamente, como se eu fosse seu colega Goethe. Ele queria perguntar-me sobre o tempo em que morara no Japão, como quem urge alguém a falar sobre uma viagem. Comecei a falar de mim atendendo a seus pedidos para me acalmar, e também para digerir melhor minha situação.
“Morava em Tóquio... Ah, agora ainda seria Edo?”
“Bah, não conheço nenhuma das duas”, e Freddie terminou sua terceira cerveja. “Você também nasceu rico lá? Tem cara”
Olhei para baixo. Era só o blazer do uniforme, nada de caro.
Meu pai era um produtor musical, e minha mãe, uma pianista. Além disso, meu avô materno era maestro, então éramos uma família de músicos. Não sabia sobre meu pai, cujo trabalho pouco envolvia pisar no palco, mas minha mãe era uma música relativamente famosa, então não achava que passávamos necessidade. Eu também crescera naturalmente mergulhado em música, como os pássaros aquáticos quando aprendem a nadar.
“Então, você também faz música? Qual é seu instrumento? Cravo? Cordas?”
Quando respondi “não, eu não toco nada. É só ouvir que é minha especialidade”, Freddie fez uma expressão verdadeiramente surpresa. Lembrando bem, nesta época era óbvio que filhos de músicos tornam-se músicos.


Embora tivesse crescido vendo meus pais e seu domínio absoluto dos instrumentos, misteriosamente, não me sentia nem um pouco estimulado ao tentar tocar algum. Quem mais me atraia era meu avô paterno, um crítico de música. Embora já fosse velho e, certa feita, tivesse sido levado à delegacia após cantar uma ária de ópera seminu em frente à estação, seus textos eram fascinantes, esbanjando sagacidade e ambição. Como meus pais várias vezes saíam e me deixavam sozinho em casa, gostava de ouvir diversos CDs de música clássica enquanto lia os artigos de meu avô a seu respeito. Talvez este não tivesse sido o motivo, mas passei a, mesmo na escola, ficar o tempo todo na biblioteca.
“Hum. Então quem sabe você teria seguido os passos de seu avô e virado escritor algum dia. Exatamente por isso virou o novo Wolf!”
“Não é bem um trabalho em que seguirei seus passos...” Além disso, meu avô lembrava um pouco Freddie, principalmente no sentido ruim.
Ainda assim, ponderei sobre as palavras de Freddie.
Fora escolhido como o novo corpo de Goethe porque lia o tempo todo desde criança? Impossível. Se fosse esse o motivo, deveriam existir muitos mais adequados que eu. De qualquer forma, eu nunca lera sequer um livro de Goethe. Também não entedia nada de poesia ou peças. A raiva voltou a emergir, e se transformou num gosto amargo embaixo da língua.
Seria mesmo que não podia mais voltar? Será que não restara nada, a não ser levar a vida como Goethe? Suspirei fundo três vezes, e aquele desespero permeou-se por meu corpo.
“As experiências de um filho de músicos, é? E ainda por cima do Japão de daqui a duzentos anos, é incrível. Wolf se deu bem, vamos aproveitar isso na próxima obra!”
Talvez tivesse começado a ficar bêbado, pois Freddie começou a falar despreocupadamente.
“VocÊ também conseguiria dar palpite em um monte de coisas, que nem na hora de transformar uma peça em óprea e tal, não é? Também deve saber um bocado sobre música, certo? Se bem que como é música de daqui a duzentos anos provavelmente não faz diferença”
“Não, ainda restaram muitas músicas antigas. Eu as ouvia sempre”
“Sério? Mas são duzentos anos! Não consigo nem imaginar como era a música de 1600. Por exemplo, obras de quem restaram?”
Tentei listar os nomes de compositores de que gostava. Gluck, Clementi, Mozart, Haydn, Beethoven...
Freddie animou-se e ajeitou a cadeira.
“Conheço, conheço! Conheço todos, alguns inclusive ainda são atuantes”
“Nossa...”
Ah, era mesmo, 1804 era essa época. Além disso, era a Alemanha. Seria possível que me encontrasse com alguns daqueles compositores em carne e osso?
Não, não, por que me sentia contente numa situação daquelas? Talvez nem pudesse voltar para casa.
Fiquei deprimido de novo, e, como se estivesse preocupado comigo, Freddie começou a pedir mais e mais comida e enfileirar os pratos sobre a mesa.
“Enfim, isto é para comemorar que você é jovem de novo, vamos comer e beber com vontade. Depois disso, vamos pensar sobre sua próxima obra-prima! Ela será transformada numa ópera e encenada por toda a Europa, e vamos lucrar rios de dinheiro. Mal posso esperar”
“Não, eu não bebo...”
“O que é isso, efeito colateral do rejuvenescimento? Esqueceu até de como se bebe? Bem, não se preocupe, Wolf, mesmo que ainda não esteja acostumado com o corpo novo e não se sinta bem, eu posso tomar conta de você”

Contudo, na realidade eu tomava conta dele. Por quê...?
Passei a vê-lo todos os dias no escritório, e ficou provado que Freddie era tão repreensível quanto meu avô crítico. Era frouxo com promessas, aparecia em bailes e então flertava com senhoras casadas, e, quando saía para beber sem levar a carteira e ficava totalmente bêbado, eu tinha que ir busca-lo.
“Caramba, Mestre Goethe, foi muito bom o senhor ter rejuvenescido. Antes o senhor dizia que carregar o mestre Schiller nos ombros, desse jeito, fazia mal às costas, mas agora não é nenhum esforço!”
Até mesmo ouvi isso do dono do bar. Não me deixou nem um pouco feliz.
Também era eu quem dava água e mingau a Freddie quando ele chegava ao escritório de ressaca no dia seguinte.
“Agora que é jovem de novo, você consegue cozinhar? Vou passar a comer no escritório agora”, foi o que disse.
Aparentemente, ele nem mesmo comia quando estava apertado com prazos, e, quando aceitada trabalhos de revistas ou jornais, isso era comum. Ele realmente não tinha condição nenhuma de viver por si só. Levei um susto e tanto quando ele disse que não sabia discar num telefone; certamente as máquinas antigas precisavam de procedimentos mais complicados, mas mesmo assim eu os aprendi logo.
Desse modo, eu gradualmente me acostumava com a atmosfera da Alemanha do século XIX. Ou melhor, tive que me acostumar graças a Freddie, que aceitava sem nenhuma moderação trabalhos de escrita e acumulava problemas. Quando pensava na triste possiblidade de não poder mais voltar ao Japão, sentia até mesmo vontade de fazer, aos poucos, o que estivesse a meu alcance – ainda que isso significasse limpar a sujeira de Freddie depois de beber.
Por esse motivo, fui eu quem reservou as passagens e a hospedagem durante os preparativos para a viagem às termas, e mesmo fiz a mala de Freddie. Quanto a Mephi, ela não ajudou com absolutamente nada depois de pesquisar os lugares com que deveria entrar em contato.
Na noite antes da partida, no quarto escuro, apoiei o quadril na mala e observei a lua da janela enquanto pensava, “termas, é?”.
Parecia que Goethe fora um grande apreciador das termas. Seus arquivos, preenchidos com relatos detalhados de viagens por estâncias de diversos lugares, ocupavam o canto de uma das prateleiras do escritório, e, quando os lia, memórias ressurgiam lentamente. Sentia como se eu mesmo houvesse passeado por spas de todas as partes.
Com certeza, havia uma parte de Goethe misturada em mim, ainda que terrivelmente pela metade.
Talvez eu não houvesse conseguido virar Goethe por completo. Teria sido uma falha dele mesmo, ou de Mephi? Graças a isso, conseguia de algum modo viver neste século XIX, mas o sentimento de querer voltar ao Japão não cedia. Se pudesse voltar, era o que mais queria.
Não era que não tivesse ideia de como fazê-lo. Quem me chamara até esta época fora ninguém além do próprio Goethe – eu. Se ele pudera chamar-me, não saberia como me mandar de volta? Se conseguisse lembrar por que ele me escolhera e como me chamara, não conseguiria alguma dica de como voltar ao Japão?
Porém, as lembranças que desejava não apareceram.
Seria porque não tinha nenhuma pista? Assim como quando Freddie fizera várias perguntas para confirmar quem eu era, lembrava das coisas ao ser perguntado por outros. Não adiantava eu próprio perguntar, talvez por não saber em que gaveta as memórias estavam guardadas.
Quem sabe, essas memórias ressurgiriam se estivesse mergulhado nas termas. Se conseguisse seguir os passos de Goethe em sua amada cidade de Karlsbald, agir de acordo com seus desejos e aproximar-me dele...




Karlsbald era uma instância encontrada na ponta leste da atual República Tcheca.
Ficava bem no meio do território colossal do Sacro Império Romano-Germânico, e no meio do caminho entre Berlim e Viena; graças a esta localização conveniente, era um local turístico popular havia muito tempo.
“Uau! Bodes! Olhe, Wolf, tem milhares de bodes! Ah, ali tem um moinho de vento, que gigaaante!”
Freddie sentava no assento em minha frente no trem, e, como ele passou o caminho inteiro agitado, pensei do fundo do coração que devia ter escolhido um compartimento individual.
Quando o trem entrou num vale e a abundância de verde tremulando invadiu minha vista, Freddie ficou festivo e começou a pedir cerveja.
“A cerveja tcheca é a melhor! É porque é cheio de mosteiros de onde sai água boa! Queria beber todos os dias!”
“Que tal você também entrar pra um mosteiro?”
“Se for um convento, eu vou! Se bem que, ei, essa fala não é de Shakespeare?! Nós devemos dar suporte à literatura alemã, então é um duelo de originais! Ahahaha!”
Quando o trem deslizou na estação, Freddie já estava completamente bêbado e cambaleava – chegou ao ponto de entregar sua antologia poética ao invés das passagens ao funcionário.
“Mestre Schiller! Nossa, é o Mestre Schiller!”
“Ora, é mesmo!” “E o Mestre Goethe está com ele, não?”
Um grupo de garotas aristocratas esperando por suas bagagens exaltou-se ao perceber nossa presença.
“Eram verdade os boatos de que ele rejuvenesceu!" “Sim, e na forma de um garoto exótico!”
Elas levantaram as barras das saias e correram até nós.
“Mestre Goethe, já li ‘Os Sofrimentos do Jovem Werther’ cinquenta vezes! Um autógrafo, por favor!”
“Por favor, venha se divertir com o mestre Schiller em nosso hotel!”
“Muito bem, minhas gatinhas lindas!” Freddie falou com o rosto todo vermelho, cambaleando entusiasmado.
“Vamos beber a noite inteira, e trocar danças, canções, e poemas de amor. Ou melhor, vamos trocar amor. Não importam poemas, eles dão trabalho”
“E você se chama de poeta?! Não era para dar suporte à literatura alemã?!”
Segurei Freddie, que já falava de modo duvidoso, pela nuca, e fugi das garotas.
“Aah, mestre Goethe!”
“Até quando vocês vão ficar?”
“Podem ficar sob nossos cuidados!”
“Nós viemos para descansar, então por favor nos deixem!” Gritei para as garotas enquanto empurrava o traseiro de Freddie para dentro da carroça, e subi apressado em seguida.
“Com certeza ele quer ficar sozinho com o mestre Schiller” “Bem, os dois só tem interesse em homens...” “Isso parece interessante de se atiçar” “Vamos falar a repórteres de jornais também!” Ei, esperem um pouco, vocês! Quando fiz que pularia da carroça para reclamar com as garotas criadoras de rumores sem pé e nem cabeça, o cocheiro exclamou “vamos!” e fez os cavalos darem partida.

As estâncias da Europa daquele tempo eram bem diferentes daquelas do Japão.
Termas eram vistas como tratamentos, e o primeiro passo para sua utilização era “beber”. Aparentemente eram tidas como cura para qualquer enfermidade. O modo de entrar na água também estava longe do japonês, e não se via gente animada e fazendo barulho numa banheira grande. Eram extremamente aristocráticas, e, sob um domo decorado com esplêndidas esculturas em estilo romano, podia-se suar tranquilamente numa sauna, tomar banhos ou receber massagens. Além de tudo, não se ficava completamente nu.
Porém, como um japonês que fora às termas numa estação fria, eu queria mergulhar de vez na água quente. Como, por sorte, Freddie esvaziara uma garrafa de vinho e dormira em seguida logo após chegarmos, fui sozinho ao local de banho disponível no hotel. Pulei despido na pomposa banheira individual de mármore, e abri o quanto queria as pernas e braços. Sem querer, deixei escapar um “aah”. Eu também tivera de passar a noite em claro terminando manuscritos no dia anterior, acompanhando a teimosia de Freddie. Estava com sono.
Apoiei a cabeça na beirada da banheira.
“E então, Goethe”, sussurrei para o vapor. São suas amadas termas de Karlsbald. Agradeça. Se sentir-se bem e aquecido, apareça e explique. Por que chamou justo a mim? Como posso voltar?
Minha pergunta nada fez além de balançar a névoa branca. Suspirei, e então fechei os olhos.
“Se dormir dentro d’água, acabará com um resfriado”
De repente, ouvi uma voz de mulher ao meu lado, e afastei-me com um pulo. Bem perto, atrás de uma fina cortina de vapor, havia uma figura negra despercebida. Seus cabelos pretos e longos estavam espalhados na superfície da água. Suas orelhas triangulares, também pretas, mexeram-se várias vezes dentro da névoa. Era Mephistopheles. Porém, seu pescoço, ombros, clavículas, seios... Não importava o quando descesse com o olhar, não via pano em lugar nenhum, espere, ela estava pelada!
“Por que você está aqui, Mephi?!”
Mergulhei até os ombros e virei de costas. Apenas naquele momento, agradeci profundamente à qualidade esbranquiçada das águas de Karlsbald.

 

“Mesmo um demônio gostaria de mergulhar se viesse às termas. Em minha terra natal – bom, é o Inferno, mas as termas de lá cheiram a enxofre e alcançam milhares de graus, portanto não se consegue relaxar. E além disso—”
A água sacudiu em ondas grandes. Sabendo que Mephi aproximava-se, meu corpo congelou. Depois de chegar a meu lado, ela se abraçou com os braços despidos. Mergulhei até o queixo na água.
“—possivelmente o senhor Yuki despertará outros desejos se fizer isto”
“C-chega, saia daqui! O que acontece se alguém te vir?”
“Como sou um demônio, posso providenciar para que apenas o senhor Yuki veja-me. Neste momento, o senhor Yuki aparenta ser um indivíduo perigoso que fica vermelho e grita sozinho”
Não disse nada. Sentia-me tonto, e meus pensamentos estavam brancos.
Mephi apoiou os cotovelos na beirada da banheira, e soltou um suspiro de agrado. Ela não poderia parar com essa pose? Em outras palavras, como dizer, ela tinha o tórax fora da água, obviamente não precisava olhar nessa direção, mas...
“Sentiu algum desejo mais forte?”
“Falando de um jeito direto e desagradável desses—!”
“Ora, não me refiro a luxúria, mas o senhor Yuki também é desagradável” “O quê?!” “Seu instinto criativo. O senhor Schiller também o disse, não foi? E então, sente-se disposto a escrever peças ou romances?”
Também larguei os braços fora da banheira, e virei para o lado.
“Tudo bem Freddie ou os editores, mas por que tenho que ouvir isso até de você? Não é de sua conta, é?”
“Sim, há uma grande relação comigo”
Mephi fez tremer a superfície da água ao se aproximar, agora com voz mais doce.
“O senhor Yuki não quer mobilizar seu coração, quer?”
Senti a atmosfera fria, mesmo mergulhado.
“O senhor não escreve peças ou romances, pelo contrário, somente críticas. Junta a elas uma avaliação e as publica em revistas, apenas isso. Executa não mais que esse tipo de trabalho por ter medo de encontrar coisas belas, e então mobilizar seu coração, não é?”
O que ela estava dizendo? Só não fazia nada disso porque dava trabalho. Nem queria pensar no tanto de esforço necessário para criar uma coisa dessas do zero. Conseguia levar as coisas só com trabalhos detalhados de escrita, então não havia problema, certo?
Senti alguma coisa macia tocar minhas costas; Mephi pressionava o corpo contra mim.
“Ei, p-pare!“
“Sua genialidade não desapareceu com o rejuvenescimento. Com certeza, o fogo da literatura ainda—” Mephi envolveu-me com os braços e passou os dedos por meu diafragma. “—queima dentro deste peito. Mesmo assim, consegue ficar de olhos e ouvidos fechados, sem tomar em mãos uma caneta; é porque tem medo de povar das maravilhas do mundo, porque não quer confrontar o momento em que se satisfará, não é?”
“Me largue!”
Desvencilhei-me dos braços de Mephi e joguei-a longe. Mergulhei ainda mais fundo, e a água mineral perfumada tocou meu lábio inferior; tinha gosto de sangue, suor e ferro.
“E se for isso, e daí? Não é nada que eu saiba”
Não me importava que as futuras obras de Goethe desaparecessem da história. Eu era só um estudante trazido do Japão contra minha vontade. Se dependesse de mim, Freddie poderia apoiar a literatura alemã sozinho, fazendo pose de minhoca ou qualquer coisa assim.
Mephi riu do outro lado da cortina de vapor, que se tornara repentinamente mais espessa.
“Não, tenho certeza de que o senhor voltará a segurar uma caneta. O senhor também é Johann Wolfgang von Goethe. Esse fato, esse desejo, essa paixão, essa chama não se apagarão. Um artista não pode de modo algum permanecer calado. Ainda que não as expire por si próprio, um dia por certo o senhor tocará na beleza deste mundo, e seu coração moverá”
“Cale a boca!”
Pulei para fora da água quente. Os pingos acertaram e escorreram pelo mármore branco.
Mephi havia desaparecido. Porém, as últimas palavras que dissera flutuavam no vapor.
Por favor, sinta.
Por favor, faça seu coração mover-se.
Por favor, realize-se.
E então, quando chegar ao ápice, grite, “verweile Dauer, du bist so schön”.
Então, o senhor Yuki será meu.
Meu.
Meu...
Abri os braços dentro d’água, e confirmei, era meu corpo. Não conseguia lembrar meu nome a não ser por duas sílabas, mas tinha certeza de que era o corpo que, apenas um mês atrás, vivia como estudante no Japão do século XIX. Ainda que conseguisse escrever prosa e poesia em alemão sem dificuldade...
Eu não era Goethe. Não era nem nunca seria.
Não ligava minimamente para arte ou literatura. Só queria voltar ao Japão. Se isso não fosse possível, seguiria minha vida num fingimento de carreira literária, imitando a todos. Se não era para me levar de volta, me deixasse em paz. Não tinha uso nenhum para um demônio.
Afinal, o que é a beleza do mundo? Com certeza mobilizaria meu coração? Que idiotice. Não bastava ficar quieto, sem um mínimo de emoção? Além disso, haveria no mundo algo capaz de derrubar de minha cabeça uma decisão tão simples? Claro que não.

Porém, eu estava errado. Era como Mephistopheles dissera. Na manhã seguinte, me encontrei como que por destino com aquela garota... E com aquela música.



Ao chegar a manhã, após um banho de banheira, levei Freddie numa caminhada para ajudar a curar a ressaca.
A cidade de Karlsbald era preenchida por neblina no nascer do sol. Como fora construída entre montanhas cheias de verde, nevoeiros e o vapor das termas acumulavam-se na parte baixa do vale. Meu corpo aquecido pela água quente esfriou rapidamente enquanto caminhava sob o céu de outono.
Freddie enfiou as mãos nos bolsos do capote, e ainda andava sobre o mármore da calçada com passos incertos. Como era muito cedo, não havia pessoas na rua além de nós. Tudo o que se ouvia era o gorjeio dos tentilhões e um som fraco de água, talvez uma banheira de hidromassagem em alguma pousada.
“E então, Wolf, quantas moças você trouxe enquanto eu estava desmaiado?”
Freddie falava com os olhos entreabertos.
“Se aquilo você não quer fazer, pra isso sobra vontade? Heh, rejuvenescer é só coisas boas!”
“Se você ainda estiver bêbado, vou meter o dedo em sua garganta e te fazer vomitar”
Quando disse isso, Freddie ficou pálido e engoliu as palavras, depois retornou a uma expressão de submissão e corrigiu as palavras.
“Não consegue pensar em alguma história passada numa estância? Afinal, você já veio varias vezes a Karlsbald e Marienbad.”
“Não... Ainda não estou com vontade”
“Ah. Se você continuar assim, eu também vou murchar...”
Freddie virou na direção do céu congelado e suspirou. Senti um pouco de culpa. Além de colega de trabalho, Schiller era um grande fã de Goethe. Acabara usando palavras ácidas no dia anterior e dito a Mephi que não me importava com literatura, mas pensei que, se era para continuar fingindo ser Goethe, teria que escrever pelo menos uma nova obra. Acima de tudo, não era justo com Freddie.
“Se você acertar mais uma vez com uma peça e chover em nosso escritório, podemos viver por mais um tempo na farra”
“É esse o motivo?!” Devolva meu sentimento de culpa.
Nesse momento, ouvi inúmeros sons pisando a terra atrás de mim.
Quando virei para trás, pude ver um grupo imponente aproximando-se, cortando a neblina que pairava sobre a rua, entre as muitas estalagens. Eram duas fileiras perfeitas de guardas, que usavam quepes altos com penas e uniformes militares decorados. Atrás, vinham vários grupos de soldados de cavalaria, e, atrás desses, surgiu uma carruagem tão ornada que ofuscava os olhos.
“E, ei, aquilo”

Freddie engoliu em seco e retraiu ao lado do caminho. Fiz o mesmo. Pude, por fim, ver o brasão desenhado na porta lateral da carruagem.
Era uma águia negra de duas cabeças, com uma coroa e rodeada por inúmeros escudos.
Era o brasão da dinastia Hapsburg, a maior entre todas as famílias reais europeias – o símbolo do Sacro Império Romano.
“Por que Sua Majestade, num lugar destes...”
Enquanto sussurrava, Freddie afastou-se ainda mais da rua, tirou o chapéu e levou-o ao peito, e dobrou os joelhos em reverência.
Também confuso, eu o imitei. Uma tropa enorme passou por nós. Era uma procissão tão longa que pensei que, se continuasse nesta posição, ficaria com costas e pescoço doendo.
“—Parem! Parem!”
Uma voz ergueu-se de repente. Levantei os olhos num relance, e vi um homem que, pelas roupas, devia ser um mordomo aproximar-se.
“Vejo os senhores Goethe e Schiller!”
Freddie e eu nos entreolhamos.
“Pois não?”
“Sua Majestade chama-vos, peço que subais na carruagem”

“Sou um grande, grande, grande apreciador dos senhores! Peço um autógrafo!”
Sentado no banco revestido de veludo dentro da carruagem, Sua Majestade Francis II falava com os olhos brilhando e inclinando-se em nossa direção. Era um jovem de trinta e cinco anos, rosto afilado e pele clara, de aparência frágil, mas que mesmo assim era o chefe da família Hapsburg e governante da Áustria, e ainda o imperador do Sacro Império Romano. Ele nos estendeu dois exemplares, “As Preocupações do Jovem Werter” e “Don Carlos”, com uma expressão eufórica e sem nada da dignidade esperada de um membro da família real; tanto eu quanto Freddie aceitamos os livros como o óbvio a se fazer, e os assinamos.
“Primeiramente, percebi as maravilhas das termas graças a um relato de viagem do senhor Goethe num jornal! Jamais pensei que nos encontraríamos deste modo em Karlsbald”
“Hã, agradeço imensamente pela honra de Vossa leitura...”
Quem deveria estar dizendo que jamais pensei que nos encontraríamos era eu. Era a primeira vez que via Sua Majestade Francis II tão de perto, embora pensasse já tê-lo visto de longe em alguma ocasião. Digo, o Goethe que não era eu.
Sua Majestade observou-me do topo da cabeça à ponta dos pés, e soltou um suspiro.
“Contudo, devo notar o tremendo efeito dessas termas, quem pensaria que se rejuvenesceria tanto...”
É claro que não é isso, fiz menção de dizer; mas, ao perceber que seria mais conveniente que ele atribuísse o fato às termas, respondi só com um sorrisinho.
“Também gostaria de aproveitar a juventude eternamente, assim como o senhor Goethe! Agora passearei pelos locais secretos de Karlsbald, gostariam de juntar-se a mim?”
Eu me preocupava em seguir caminho com o Imperador, e gostaria de retirar-me com sua licença, mas Freddie começou a falar cheio de ânimo.
“Vossa Majestade, Wolf esqueceu da maravilha que são as águas termais permeando um corpo cansado depois de rejuvenescer, então posso mostrar-vos um local de boas águas”
“O senhor Schiller também é conhecedor das termas? De fato, o senhor está dez anos acima de mim, mas é tão jovial!”
“Certamente, Vossa Majestade levará consigo às termas muitas belas damas que auxiliam na corte, certo? Irei convosco, rejuvenesçamos como ovos dentro da água recém-esquentada!”
Não precisava ficar mais jovial ainda, você é um incômodo para as mulheres do mundo.
“Com licença, mas não haveria problema em virdes às termas em tempos de guerra?”
Preocupou-me um pouco, então tentei perguntar.
“Não há problema”
Sua Majestade respondeu com a respiração áspera.
“A escolta que trouxe comigo não ultrapassa quatrocentas pessoas, reduzi a banda militar a apenas trinta trompetes, o brasão de Hapsburg tem o tamanho de não mais que uma porta, e, durante a entrevista coletiva antes de minha partida, respondi que “gosto muito das termas, mas não há porquê ir a um lugar como Karlsbald!”. De maneira alguma alguém pensará que o imperador está aqui.” “Qualquer um percebe!”
Acabei me intrometendo por ímpeto. Sua Majestade pareceu inquieto, e, levantando as cortinas, perguntou ao mordomo do lado de fora da carruagem, “está na cara?”.
“É fácil de perceber, sim”
“O que significa isto...” Isto deveria ser minha fala. “Ah, que problema, que problemão. Tudo bem o senhor Goethe, mas se for exposto pelos jornais que o senhor Schiller está na carruagem comigo”
“Sim, nesse caso, a situação ficaria um pouco complicada”, Freddie falou, e olhei para ele perguntando por quê.
“Eu, este Friedrich Schiller, já me tornei a própria encarnação da liberdade.  Para a maioria, tudo o que falo é liberdade, liberdade” ...Mas você não fala? “E ainda por cima, fui chamado de cidadão de honra pela administração revolucionária. É um aborrecimento enorme! A liberdade de que eu falo não é de mandar todo mundo para a guilhotina sem distinção”
“Isso, isso, exatamente isso” Vossa majestade também fez que sim com a cabeça várias vezes. “Não há problema para o senhor Schiller, mas caso fosse estabelecido um boato de que o imperador se deixa influenciar pelo espírito da liberdade, teria dificuldades”
Eu observava os rostos de Freddie e Sua Majestade. Tratavam de algo que aprendera nas aulas de história mundial, então entendia o sentido do que falavam, mas de modo algum conseguia partilhar daquele senso de urgência.
A Europa deste período era continuamente balançada pelos efeitos da Revolução Francesa. Na realidade, ninguém dentro da França ou fora dela sabia muito bem o que estava acontecendo e como proceder, e faziam guerras desordenadamente. Em meio a esse caos, circulava entre os jovens extremistas de todos os países um poema escrito por Freddie, chamado “Ode à Liberdade”.
“Por que eu virei uma espécie de líder religioso?!”
Freddie exaltou-se, sem lembrar que estava em presença do Imperador.
“Não é dessa liberdade que eu estou falando! Se houver bebida, beber! Se houver carne, comer! Se houver mulheres, seduzi-las! Se houver trabalho, dormir! Não acha que esse é o verdadeiro espírito da liberdade, Vossa Majestade?!”
Tudo bem que eu acho que não tem nada a ver. Ou melhor, vá trabalhar.
“Honestamente, não entendo muito de revolução ou liberdade, mas não suporto aqueles franceses sanguinários de jeito nenhum, eles mataram minha tia Maria!”
Sua Majestade bateu os joelhos com ar aborrecido. Pensei se ele não estava falando pelas famílias reais dos vários países circundando a França neste momento. Aquela famosa Maria Antonieta era a irmã mais nova do pai de Francis, ou seja, uma integrante da família Hapsburg. Após a revolução, a família imediatamente proclamou-se inimiga da França, mas absolutamente não por querer intervir na política, e sim somente porque se preocupavam com a integridade da bela Maria Antonieta, que haviam mandado como noiva real à França. Porém, quando se pensava que as forças revolucionárias haviam controladas internamente, elas se restabeleceram, e começou a guerra.  Por fim, o Rei Luís XVI e sua mulher Maria Antonieta foram executados sob a acusação de estarem conspirando a favor da Áustria, e a França passou a fazer inimigos por toda a Europa.
Numa ocasião normal, a França seria atacada por todos e iria à falência, mas não foi isso o que aconteceu.
Isso porque o exército francês tinha aquele homem.
“Eu tenho muito medo –”
Sua Majestade falou num tom mais baixo.
“Medo daquele homem chamado Napoleão Bonaparte...”
Napoleão.
O homem que subiu de um simples sargento a quem teria, por muito pouco, dominado todo o continente. A Europa era encoberta por uma tempestade de destruição chamada Napoleão.
“Já não vejo como considerar uma cosa daquelas humana”, Sua Majestade sussurrou.
“Parece que ele derrubou, sozinho, vinte e quatro mil do exército austríaco na batalha de Genova”, comentou Freddie, “e além de tudo de mãos vazias”, completou Sua Majestade. Duvidei de meus ouvidos.
Ele vencera sozinho contra vinte e quatro mil?
Isto queria dizer uma unidade controlada por ele, certo? Foi o que pensei, mas Freddie e Sua Majestade conversavam sobre como Napoleão arremessara longe milhares de pessoas ou afundara vários navios de guerra com um golpe de seu punho. Não, esperem um pouco. Não falaram disso nas aulas. Ou seja, isso...
“Aquele homem já não pode ser chamado de outra coisa, que não demônio”
Um demônio, pensei. Não era o Napoleão que eu estudara. Fora, sim, um gênio militar, mas por certo lutara realisticamente, comandando soldados. A história que eu conhecia não trazia essa forma monstruosa de lutar, derrubando armadas na casa dos milhares facilmente e de mãos vazias, ou coisas do gênero.
“O senhor Goethe não costuma ler jornais?” Sua Majestade perguntou, percebendo meu assombro.
“Ah, bem... Não muitos dos artigos sobre a guerra”
Ele tirou um amontoado de papeis do bolso. Pareciam recortes de fotografias de jornais.
“Veja. São as façanhas desse diabo de arrepiar os cabelos”
Era uma foto grosseira em preto e branco, bastante difícil de ver, mas discerni um trem blindado virado de lado. A estrutura havia sido partida em duas, como se uma mão gigantesca a tivesse segurado e torcido. Havia a silhueta de alguém em pé na fenda.
Era um homem robusto, com o cabelo desgrenhado e muito comprido. Tinha o corpo envolto num uniforme militar de gola alta, e estava enrolado numa bandeira tricolor que balançava ao vento. A próxima fotografia tinha o mesmo homem esmagando uma montanha de corpos. A seus pés, estavam baionetas quebradas e a bandeira da Áustria, rasgada e ensopada de sangue.
Eu passava de uma foto para outra com as mãos trêmulas. Campos queimando, o litoral de Genova jorrando petróleo. Em todas elas, estava o homem. Realmente, estava sozinho, e, para completar, não estava armado.
Este é... Napoleão?
A palavra “diabo”, dita pelo Imperador, fincou-se em minha espinha.
Era possível. Era algo comum. Isso porque demônios realmente existiam.
“Por que Vossa Majestade cortou especialmente todas estas fotos?... E elas estão cheias de buracos”
Freddie examinou a situação ao meu lado, e falou.
“Não temos chances de ganhar de Napoleão no campo de batalha! Por isso, todo dia eu as furo com agulhas e rogo uma praga!” “Eu faria com pregos, porque odeio Napoleão!”
Administrada por um rei destes, acho que a Áustria nunca terá chance...
“Senhor Goethe”
Sua Majestade inclinou o corpo, aproximando-se.
“Ah, pois, pois não?”
“Ouvi dizer que o senhor também faz previsões”
“Er... Não, é que”
Senti as costas suarem frio. A história de que eu viera do Japão do futuro já se espalhara por Weimar, mas jamais pensara que teria chegado aos ouvidos de Sua Majestade Imperial.
“Dizem que conseguiu esse corpo jovial de um país distante do futuro, através do tratamento nas termas. É verdadeiro?”
“Bem, é, sim, mas” Reprimi com todas as forças a vontade de negar a parte das termas.
“Esse sim é o viajante das termas, o senhor Goethe... Então peço que me fale, os outros países continuarão a ser desrespeitados e obrigados a curvar-se perante Napoleão? A brutalidade daquele homem não conhece limites?”
Eu engoli em seco.
Responder era simples, mas seria melhor contar tudo? Se um personagem tão importante da história soubesse o futuro, a história não mudaria? Além disso, esta época era bem diferente do século XIX que eu conhecia; o que poderia dizer sem transtornos?
Enquanto estava atormentado, repentinamente, uma sombra negra passou por meus olhos, e uma mulher toda de preto apareceu ao lado do Imperador. Era Mephi. Seu rosto tinha a mesma completa falta de expressão de sempre, mas as grandes orelhas felpudas e triangulares moviam-se como se zombassem de mim. Vendo como nem Freddie nem Sua Majestade perceberam coisa alguma, parecia que, realmente, apenas eu podia vê-la.
Mephi deu uma piscadela.
Lembrei-me de suas palavras.
...A história não mudará.
...Quem quer que seja morrerá quando chegar sua hora.
Deixei escapar um suspiro sem que percebessem. Mephi desapareceu assim como aparecera, sem qualquer aviso.
Eram as palavras de um demônio. Não devia acreditar nelas. Era possível até mesmo que, se falasse alguma besteira, não tivesse mais um futuro para onde voltar.
Porém, Sua Majestade ainda me olhava como se contasse com minha resposta. Não parecia que poderia fingir ignorância, então não havia escolha. Escolhi com cuidado as palavras.
“Napoleão, err... Será derrotado eventualmente”
O rosto de Sua Majestade iluminou-se num lampejo, e a ligeira culpa que sentia no fundo da garganta azedou.
“Então, ele será derrubado e exilado para uma ilha em mar-aberto na África, onde morrerá em silêncio. Não existe alguém que vença para sempre”
Era algo óbvio, e equivalente a não dizer nada. Ao meu lado, Freddie tinha agora uma expressão atônita; talvez ele houvesse entendido a estupidez de minhas palavras. Todos cairão um dia, fecharão os olhos sozinhos e morrerão. Era só isso.
Só que, Vossa Majestade, complementei dentro de mim, ele vencerá por muito tempo até cair. Isso também é óbvio. Napoleão Bonaparte acabará por boa parte do continente europeu. Daqui a não muito tempo, até mesmo a capital imperial, Viena, cairá perante seus ataques. Como resultado, Vossa Majestade inevitavelmente terá de dissolver o Império, tornando-se o último imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e inclusive terá de ceder sua amada filha a Napoleão em casamento.
Reprimi as palavras, e devolvi a pilha de fotos a Sua Majestade. Ele as amassou violentamente, e aproximou o rosto de mim.
“E então, como progredirá a guerra a partir de agora? Como nossa Áustria deve responder aos ataques do exército francês?”
Fechei a boca. Não sabia nada tão detalhado, e também sentia que seria pior ensinar-lhe. A história poderia mudar, e seria esforço demais queria ter que lidar com poderosos vindo até mim, vendo-me como um sujeito conveniente que prevê o futuro. Após pensar um tanto, falei.
“Não sei de fatos tão detalhados”
De qualquer modo, o Japão, onde meu corpo estava originalmente, é muito longe da Europa, então não chegavam relatos tão detalhados. O próprio imperador não sabia tanto sobre o Japão, certo? Bolava desculpas desesperadamente, e ele disse “Hmpf, é mesmo? Realmente” com ar compreensivo. Contudo, seu rosto parecia extremamente desapontado, então relembrei algum conteúdo dos livros de história e complementei.
“...Ainda assim, Napoleão será derrotado em breve, e Vossa Majestade reunirá as famílias reais da Europa num congresso em Viena; então, sugerirá retomarem o sistema anterior à Revolução Francesa.”
Isso, decidi em meu coração que seguiria com essa postura. Responderia apenas coisas de um futuro bonito que não sabiam exatamente quando viria. Todos ficariam felizes. Afinal, independente do que eu falasse ou deixasse de falar, o futuro era cheio de esperança... Misturada ao mesmo tanto de desespero.
“É mesmo? É mesmo, é mesmo”
Sua Majestade fez que sim repetidamente.
“É isso mesmo? No fim, vencerão os monarcas de linhagem direita e abençoada por Deus. Senhor Schiller!”
A voz de Sua Majestade tornou-se leve. Freddie desviou o assunto, então relaxei e recostei a cabeça no assento de veludo.
“Quando chegar a paz, por fim convidarei os senhores ao Palácio de Schönbrunn”
“Agradeço imensamente! Por favor, aproveite e reúna mulheres bonitas de Viena, ensinarei eu mesmo às senhoras como dançar ou exercitar-se com a Ode à Liberdade!”
“Ah, isso não será possível” “Por que?” “Porque aquele poema do senhor tem uma péssima reputação na alta sociedade” “Mas isso é uma idiotice, as damas dos salões literários adoram o amor livre, a farra, eu também gosto muito!” “Não tem jeito, ele virou um tipo de símbolo revolucionário. Está na moda estudantes cantarem-no como se fosse um hino de guerra. É escandaloso, então pensamos em proibí-lo” “Sério, devia ter mudado o nome!
Ao mesmo tempo ouvindo e não ouvindo a conversa deles, levantei a cortininha, e observava a neblina ser empurrada para longe das ruas, gramados e bosques.
“Está bem ter dito só aquilo?”
A voz de Mephi soou perto a meu ouvido.
Parecia que ela estivera na carruagem o tempo todo, só estava invisível.
“Está bem não ensinar a Sua Majestade Imperial sobre o andamento da guerra, e o futuro do Sacro Império? Sobre como poderiam ganhar de Napoleão”
Eu nem sei como poderiam fazer isso em primeiro lugar, não sou um aficionado por assuntos militares. Além disso, de que adiantaria ensinar? Não foi você quem disse que a história não mudaria em grande medida?
“O fluxo não mudará. Todavia, ninguém sabe como os ninfeias flutuando desceram o rio, e há vários caminhos para chegarem a seus destinos”
Apoiei a bochecha na janela pequena da carruagem. Mephi prosseguiu.
“Napoleão Bonaparte morrerá em cinco de maio de 1821. É o único destino que lhe foi determinado por aquele do Alto. Se será como na história que o senhor Yuki conhece, envolto em desespero na ilha de Santa Helena, ou em meio à glória no palácio de Versalhes, rodeado por mulher e filhos e confiando o futuro do Império Francês ao príncipe, nada está decidido. E então, o senhor Yuki tem o poder de decidir”
...E daí? Aquilo não me interessava.
“O senhor Yuki não se sente excitado ao pensar que tem o destino da Europa em suas mãos?”
Na verdade não. Por mim, eles poderiam viver, guerrear e morrer como bem entendessem.
Não sente o desejo de mudar o mundo arder em seu corpo?
Os sussurros de Mephi confundem-se com o rangido da carruagem. Pouco importa, pensei. Ainda que eu esteja mergulhado em apatia, a Terra continuará a girar.
Porém, naquele momento, ouvi uma canção.
Num instante, afastei o rosto da janela.
Era uma voz de menina, que se ouvia mesmo atrás dos vidros. Uma voz alta e límpida, que não se deixava apagar pelo ranger da carruagem, nem pelo som de suas rodas ao criar sulcos no caminho.

Alegria, mais belo fulgor divino, filha de Elíseo
Ébrios de fogo entramos em teu santuário celeste!
Teus encantos unem novamente o que o rigor da moda separou
Todos os homens se irmanam onde pairar teu voo suave...

Quando levantei o olhar de vez, o Imperador tinha a expressão amarga e Freddie, a boca meio aberta, ambos fitando a direção de onde vinha a canção.
“...Não é meu poema?” Freddie murmurou.
Exatamente, era um fragmento do “Ode à Liberdade”. Porém, aquela melodia, aquela música era...
Beethoven. A Ode à Alegria do último movimento da Nona Sinfonia.
Não pode ser, pensei. Lembrei-me em desespero de um artigo explicativo de meu avô. Esta canção não deveria existir no ano de 1804. Com certeza, era uma melodia surgida uns vinte anos depois. Então, por quê?
Um ritmo de tímpanos vindo de algum lugar juntou-se à voz magnífica da garota. Demorou um pouco para que percebesse que era a batida de meu coração.
“Parem—!!”
A carruagem sacudiu e parou ao ouvir a voz de um guarda do lado de fora. Meu corpo enrijeceu.
“Você, desgraçada! Sabe a quem pertence esta tropa?!”
A raiva em sua voz crescia.
“Será que não consegue ver o brasão com a águia de duas cabeças, para estar cantando bárbaras canções revolucionárias?! Curve-se e fique calada até terminar de passar!”
“E você, quem é?!”
A voz com que ela respondeu espantou-me, seu eco carregado de determinação.
“Não viram o que eu estava fazendo?! O contracanto do fagote estava prestes a me vir à cabeça, e vocês estragaram tudo!”
Sua Majestade levantou a cortina do outro lado e perguntou algo ao mordomo. Freddie balançava os joelhos. Abri a porta com força e pulei para fora da carruagem.
A frente da procissão estava parada próxima a uma ladeira. À margem de um caminho que fazia uma grande curva e era engolido pela floresta, num ponto onde se via a terra molhada, via as costas dos uniformes de inúmeros guardas; eles rodeavam uma pequena silhueta. O que pude ver entre eles foi a barra de sua saia abalonada e cabelos vermelhos flamejantes. Ela tentava afastar os soldados sacudindo um galho de árvore de um lado para o outro. Apesar da fala arrogante, com certeza era uma garota de catorze ou quinze anos. Quando um guarda a subjugou e ela recuou, pude ver seu rosto num relance. Tanto seu rosto claro levemente rosado quanto seus olhos castanho-avermelhados queimavam com força de vontade. Eu correra até lá, mas acabei parando logo atrás dos guardas, olhando o rosto da garota.
Lembro-me dela... De algum lugar, acho. De onde?
“Ei! Não pise aí, a parte do baixo apagou”
A garota bateu na perna do soldado com o galho. Havia linhas retas na terra sob seu pé, provavelmente desenhadas com o galho, e vários seixos brancos espalhados.
Era uma partitura, percebi.
O que seria aquela menina? Ela se preocupava com a partitura que escrevera no chão com um galho e pedrinhas, sem dar atenção à própria procissão do Império.
“O caminho é largo, então por mim que passem águias de duas cabeças ou porcos de três pescoços; eu estou ocupada. Não quero poluir os ouvidos com a voz grossa de gente não-musical que nem vocês”
“D-desgraçada!”
“Mesmo sendo só uma menininha!”
Mãos robustas de soldados agarraram os braços finos da garota.
“O que estão fazendo?!”
A garota franziu o rosto e deixou o galho cair. Sem pensar, pus a mão sobre o ombro de um soldado.
“Parem por favor!”
Os guardas viraram-se de uma vez só ao ouvir minha voz.
“O que fazem tantos de vocês, cercando uma menina tão pequena?”
A garota pestanejou. Seria a sua surpresa por ter chegado ajuda, ou porque uma criança como eu se intrometera com os guardas imperiais? Eu também a olhava.
Realmente a conhecia de algum lugar, mas não sabia onde. Os guardas falavam com vozes nervosas.
“I-Isto é, mestre, perdoe a visão desagradável” “Porém, esta menina” “Ela fazia ouvir-se uma canção revolucionária no trajeto de Sua Majestade” “Já disse que não é uma canção revolucionária, é uma canção de alegria!”

 

Freddie descera da carruagem sem que eu percebesse, e protestava logo atrás de mim. Porém, ao ver a garota, sua expressão mudou completamente.
“Ei, ei, Wolf, Quem é aquela jovem, onde você a encontrou, quando foi que conseguiu laçar uma joia daquelas, me apresente!” Para quê você apareceu?
“Mestres, pedimos desculpas pelo tumulto”
O chefe da guarda tentava nos empurrar de volta à carruagem. O murmúrio de seus homens, ainda sob ordem de permanecerem parados, tornara-se muito mais alto. Não se importando, Freddie caminhou até a garota e segurou suas mãos.
“Senhorita, estava cantando um pouco diferente, não é? Bom, bom mesmo! Eu também estava pensando justamente em mudar o título, e republicar falando das doces alegrias do amor! Se quiser, podemos mergulhar juntos nas termas e conversar sobre amor”
A garota fez uma expressão de quem comeu grama, e livrou-se da mão de Freddie.
“Q-quem é você? Não me toque tão amigavelmente!”
“Sou o autor do poema que a senhorita cantarolava agora a pouco!”
“Pare com as besteiras. Nunca encontrei-me com Schiller, mas ele deve ser um filósofo gentil, culto e calmo, na casa dos quarenta anos. Um jovem sem importância como você precisa de mais uns cem anos para me enganar!”
Realmente, ele parecia qualquer coisa menos calmo, e um idiota jovial demais; olhava Freddie com o canto do olho.
“Mas já disse que eu sou Schiller! .” Não fez sentido. Os guardas também ficaram surpresos. Talvez assustada com Freddie, que acabara de revelar todas as suas piores intenções, ela se escondeu atrás de mim, a pessoa de aparência mais confiável naquele lugar.
“Wolf, filho da mãe, quer ficar com ela só pra você, lolicon?! Deixe eu tentar também! Todos os homens se irmanam onde pairar teu voo suave!¹” Não e não. Schiller nunca diria isso.
“Este é mesmo o mestre Schiller?” “Hm, também estava questionando” “Só que Sua Majestade disse que era, então...”
Os soldados da guarda começaram a falar assim, sussurrando. Como mesmo eu, seu colega de  trabalho, às vezes não acreditava que ele era o mestre literário Schiller, era algo óbvio.
Nesse momento, a garota rapidamente afastou-se de mim e virou na direção do bosque.
“É a voz dos pássaros”, sussurrou.
“Hã?”
“Os bem-te-vis e os sabiás! Eu vim para registrar seus sons! Não tenho tempo de ficar com vocês, adeus!”
A garota pulou dentro do bosque, fazendo ondular a barra da saia; ela subiu a colina em que se acumulara uma camada espessa de folhas secas, e logo já não se podia ver entre as árvores.
O que foi aquilo, sussurravam os guardas atrás de mim. O mordomo veio correndo do lugar da carruagem e repreendeu os guardas de algum modo. Em todo caso, mestres, peço que retornem à carruagem, Sua Majestade está preocupado...
“Oh, finalmente um encontro, e...”
Freddie fitava o bosque com ar aflito.
“Estaria visitando as termas? Embora não espero que uma menina tão jovem tenha vindo sozinha... Será que ainda nos encontraremos? Vamos estender nossa estadia uma semana, Wolf. Wolf? Ei, Wolf”
“...Quê? Ah”
Freddie chamou várias vezes, e finalmente voltei a mim. Eu também olhava a escuridão entre as árvores em que ela desaparecera, admirado.
“O que foi? Você realmente é um lolicon?”
“Não! E aquela menina tem mais ou menos minha idade em termos físicos!”
“Foi pra usar essas desculpas que você rejuvenesceu...?”
Pisei em seu pé com força e segui para a carruagem. Freddie segui atrás, franzindo o rosto de dor e pulando de um pé só.
“Mas é a primeira vez em muito tempo que te vejo fazer uma cara surpresa daquelas. Ultimamente, você não tem energia nem emoção nenhuma...”
“Nada disso...”
Não disse mais nada. Talvez fosse exatamente como Freddie falara. Fazia tempo que algo me chamava tanto a atenção. Talvez isso fosse porque me lembrava do rosto daquela menina, mas, mais que isso, aquela canção. Aquela música.
“Caramba, e pensar que até uma mocinha tão jovem conhece meu poema! Embora eu não conhecesse a melodia. Desse jeito, vou editar mesmo uma coletânea de poemas, quanto será que consigo vender...”
Não tem como saber, pensei.
Porém, eu conhecia. Eu conhecia aquela música que ainda não deveria existir, já que fora trazido do futuro.
Afinal, o que era aquela garota?
Sua voz ao cantar, as chamas de seu olhar gravaram-se em minha consciência para nunca sumir.



Por fim, não encontrei mais aquela garota durante minha estadia em Karlsbald. Eu e Freddie acompanhamos Sua Majestade Francis II em seu passeio pelas termas durante três dias e noites, e voltamos a Weimar parecendo polvos com a pele fervida e descascada. Tinha a sensação de que recusaria águas termais por uns três anos.
Mesmo após voltar ao dia a dia, ela não saía de minha cabeça. Perdi as contas de quantas vezes pensei que deveria ter, pelo menos, perguntado seu nome. Onde será que a havia encontrado. Como eu neste corpo só viera a esta época havia um mês, seriam memórias de Goethe antes de rejuvenescer?
As memórias de Goethe.
Abri a porta comprida de uma estante discreta, que ficava no canto de minha sala no escritório. Era a prateleira onde ficavam os relatos pessoais de Goethe. Procurei desde a ponta das anotações sobre termas. Não a teria encontrado anteriormente em Karlsbald? Aficionado pela caneta como era, não teria Goethe deixado algo escrito?
Deixei o trabalho de lado e investiguei seus escritos sobre as termas até o pôr do sol, mas não encontrei nada.
Veio-me à mente mais uma possibilidade.
Talvez fossem lembranças de mim mesmo enquanto estava no Japão, e não de Goethe.
Era possível. Mephi dissera que eu não era o único a ser trazido do futuro  para este período, ou seja, podia ser o caso daquela menina também. Se fosse, também estaria explicado o fato de ela conhecer a “Ode à Alegria” de Beethoven, que ainda não deveria ter sido criada.
Se ela fosse alguém do futuro como eu, talvez isso se tornasse uma pista para voltar ao século XIX.
Senti um arrepio na pele. Nada estava certo ainda. De quem seriam as memórias, minhas ou de Goethe? Precisava lembrar.
Após ler inúmeros diários e ensaios, imediatamente tomei em mãos aquele livro. Era o mais à direita na prateleira das peças.
Seu título era “Goetz von Berlichingen”.
Conhecia aquele livro. Lera só o comecinho dele no dia em que conheci Mephi na biblioteca. Não era nem um pouco interessante, recordei.
Contudo, quando meus dedos tocaram o título na capa, senti pulsarem os fragmentos de Goethe dentro de mim.  De fato, aquela era a primeira obra de Goethe, a primeira obra que ele, ainda jovem, mostrou ao mundo.
Abri as páginas.
Como era uma peça, não havia porque encontrar sinais relacionados à garota, mas isso não tinha importância. No momento em que passei a primeira página, senti a atmosfera em volta perder as cores e tornar-se gélida, e então, experimentei aquela sensação pela primeira vez desde que viera a Weimar. Um pressentimento que aprisionava a alma docemente, aquele da biblioteca em dia de tempestade e do teatro antes da apresentação.
Levei o livro até a mesa com uma vela acesa, sentei de leve na cadeira e comecei a ler.

Quando finalmente dei-me conta, fracos raios de sol entravam pela janela deixada aberta.
A vela sobre a mesa apagara havia muito tempo, e o ar gelado fez-me enrijecer. Ainda assim, dentro de meu corpo, corria um calor por minhas veias, tão forte que doía. Não conseguia sequer largar o livro, que ficara aberto na última página.
Passara a noite inteira lendo. Realmente, aquela era uma peça escrita por mim, diziam os pedaços de Goethe escondidos no fundo de meu mente. Contudo, era uma história nova, fresca e vivaz que eu não conhecia. Era a sensação de que algum líquido ainda mais importante que o sangue jorrava de um buraco em minha alma.
Por quê? Eu não entendera nada quando tentara ler na biblioteca. Seria porque lera em alemão? Também poderia ser. Porém, um motivo mais forte fazia ressoar meu coração. Era porque Goethe estava destro deste peito. Era porque a angústia de quando ele começara a escrever, a sede que aumentava enquanto prosseguia, a alegria de quando terminara ressurgiram. Era uma sensação estranha, retorcida, e uma experiência literária devastadora e sem precedentes. Uma alegria que apenas eu, chamado até aqui atravessando o tempo e usado como substituto poderia experimentar.
Então, ouvi uma risadinha disfarçada.
“Mephi...?” Chamei em voz baixa.
“Ao seu lado”
A voz contente de um demônio era cuspida em minha nuca.
“Sentiu o tempo parar, não foi?”
Sem olhar na direção dela, engoli o sentimento inoportuno junto com saliva, e acenei com a cabeça.
Eu fora idiota. Estava subestimando Mephi, ou melhor, Goethe. Pensava não existir nada capaz de roubar meu coração a esse ponto, de sentir o tempo parar.
“Está feliz, senhor Yuki?” Mephi sussurrou.
“O suficiente para desejar que o tempo pare aqui?”
Arranquei o corpo da cadeira, levantei, e fechei o livro com um estrondo; depois, o enfiei de volta na estante, fechei a porta de vidro e passei o cadeado. 
Coloquei a mão próxima ao coração, que continuava batendo desenfreado. Porém, ainda não. Ainda não diria aquela frase. Ainda conseguia manter-me de algum modo.
Observava as lombadas dos livros que eu escrevera.
Isto aconteceu só de reler as histórias que escrevera muito tempo atrás. Se me deparasse com algo mais novo e estimulante, podia ser um problema sério. Ei, Goethe, que tipo de bon vivant você é? Por que fez um contrato desses? Mephi leva uma vantagem imensa. Você é idiota? Me poupe. Você pode ter assinado o papel do contrato sem preocupações, mas é minha alma que está presa. 

Decidi não ler mais nada. Uma obra nova também estava fora de questão. Sentia muito por Freddie, mas minha alma era mais importante. Além disso, recusaria todos os convites de peças e apresentações. Tentaria sair de casa o mínimo possível. Me trancaria a chave ali dentro, sem ver nem ouvir nada, e afundaria em chumbo para não mover meu coração um milímetro sequer.



Aproximadamente duas semanas depois, chegou uma carta de Viena. Tinha escritas coisas como o quanto Sua Majestade Francis II havia apreciado nosso passeio pelas termas.

“Convida-se o senhor Goethe à corte como Ministro das Termas. Preparar-se-á uma recepção calorosa. Quando concluir-se a guerra contra a França e dissipar-se o espírito revolucionário, planeja-se convidar também o senhor Schiller”
Quando Freddie mostrou esse texto, levei um choque e joguei a carta na mesa.
“Como assim ministro das termas, não faz sentido!”
“Você pode ganhar só para guiar a família real nas termas, não é um bom trabalho?”
“Como assim, por que faria algo assim...”
“Ah, eles também telefonaram há pouco, então respondi que Goethe estava extremamente motivado e logo visitaria Viena”
“Por que você fez como bem entendia?!” Levantei da cadeira em um pulo.
“Eu queria dizer faz um tempo, Wolf”
Freddie pôs as mãos sobre a mesa e ficou sério de repente.
“...Diga”
“Eu estava pensando em sair deste escritório”
“Hã?”
Caí de novo na cadeira inconscientemente, e olhei o rosto de Freddie. Ele sorria, irônico.
“Afinal, você não escreve nada de novo, ué. Eu trabalhava com você pensando em como lucrarmos com vários tipos de mídia, transformando seus romances em peças ou material para poemas. Se você não escreve originais, não tenho o que fazer”
Sabia bem de sua avareza, mas sempre houvera entendido como brincadeiras e deixado passar.  Mas sair do escritório? Mesmo?
“Além disso, você não tem sido nem um companheiro de diversão. Eu sempre sofro para conseguir ingressos de luxo, mas você diz que está ocupado ou se sentindo mal. Ultimamente, você nem sai pra beber, só fica trancado no escritório”
“Não, é que” De modo algum podia explicar que era para não ter a alma tomada. Também não achava que ele fosse entender mesmo que eu explicasse.
“Você não quer nem escrever, nem se divertir, quer? Você faz só trabalhos chatos e não se diverte de propósito, porque está desesperado para viver sem emoção, não é?”
Perdi as palavras. Ele sabia?
“Eu consigo ver. Há quanto tempo acha que te conheço?”
Ele deu de ombros e continuou.
“Bem, não é uma boa maré? Use a oportunidade de entrar na alta sociedade como crítico de termas. Se escrever que rejuvenescem desse jeito, vai ganhar rios de dinheiro”
Freddie afastou-se da escrivaninha, deu de costas e dirigiu-se à porta do escritório, balançando os braços.
“Espere, Freddie, e o que você vai fazer?!”
“Tenho dinheiro guardado, vou viajar por uns tempos ou algo assim. Bom, não tem nada a ver com você, tem?”
Mesmo depois que ele saiu, eu fitava a porta sem saber o que fazer.

No dia seguinte, a sala de Freddie no escritório estava vazia. Quando perguntei ao senhorio, ele respondeu indiferente que “parece que, como ele foi embora, deixou tudo arrumado”.
“E-ele não disse aonde vai?”
“Não sei, ouvi que o mestre Goethe também partirá, é verdade? Por favor, pague o aluguel até o último dia do mês”
Sentei bem no meio do quarto vazio, e não fiz nada por quase uma hora. Uma parte de mim ainda queria acreditar que era uma brincadeira.
Relembrava as palavras dele do dia anterior, uma por uma. Como não havia mais sentido em trabalhar comigo, nem eu me divertia com ele, ele disse adeus. Era típico dele. De modo algum estava em posição de reclamar, mas não conseguia aceitar. Sentia como se, a qualquer momento, Freddie entraria pela porta com seu sorriso largo, dizendo “e então, Wolf, se assustou? Foi uma surpresa elaborada, não foi, agora me ajude a trazer as coisas de volta”...
O verdadeiro silêncio que me envolvia endureceu.
Afinal, não havia o que fazer, certo? Inventava desculpas para o quarto empoeirado e com atmosfera pesada. Eu realmente não era Goethe. Não rejuvenescera, não renascera, era só um completo estranho com parte de suas memórias. Nunca me tornaria ele. Até agora havia, de algum modo, fingido sê-lo, mas não conseguia mais. Goethe podia pensar que queria aproveitar a vida ao máximo, mesmo se sua alma fosse levada por um demônio, mas eu recusava.

Não esperava ficar chocado. Era só um bastardo a menos. Era eu quem tinha trabalho com ele, então não era problema ele desaparecer.
Isto... Sim, provavelmente, era o Goethe dentro de mim se desesperando. Não estivera com ele por mais que dois meses, e ele só causava inconvenientes, então não via o menor problema em sua partida; porém, para Goethe, ele era uma amizade de dez anos. Quem estava triste era Goethe, não eu. Tinha que ser isso.
O frio ficou difícil de suportar, então levantei e saí do quarto vazio.
Quando voltei a minha própria sala, a carta de Viena aberta desde ontem em cima da mesa chamou minha atenção. Ministro das termas, pensei. A história era assim mesmo? Havia algo dizendo que as duas estrelas mais brilhantes da literatura alemã, Goethe e Schiller, partido caminhos em 1804,um deles tornando-se um avaliador de águas termais, e o outro, um playboy? Eu não sabia.
Escureceu no meio tempo. O que faria agora?
Pensei um pouco, e puxei para fora a pasta guardada no fundo da estante.
Mephistopheles não trouxera apenas meu corpo para esta Alemanha do século XIX. Vieram junto as coisas ao meu redor, ou seja, carteira e roupas, o smartphone, e a pasta. As provas de que vivera no século XXI estava reunidas naquela pasta. Por baixo dos sapatos para dentro da escola e as roupas dobradas, estavam as coisas mais perigosas do mundo.
Os livros didáticos.
Obviamente estavam em japonês, então dificilmente alguém nesta Europa saberia lê-los além de mim; contudo, isso não mudava o perigo que representavam. História mundial, física, química, matemática, qualquer um deles tinha a possibilidade de mudar o mundo. Por isso, os escondera no fundo da pasta, e fazia o possível para não os olhar.
Porém, somente naquele momento, acabei checando o livro e as apostilas de história mundial.
De fato, Goethe e Schiller eram mencionados por não mais que poucas linhas. Não tinha a menor ideia do que aconteceria comigo e com ele daqui em diante. Só havia detalhes sobre Napoleão. Sem exagero, tudo sobre a Europa do início do século XIX focava em Napoleão.
Em outubro de 1805, o exército francês invade a Áustria e apodera-se de Viena. Ei, não era ano que vem? Então, seria mais seguro continuar em Weimar? Não, mesmo que o exército austríaco tenha fugido e abandonado a cidade, ela não foi posta em chamas. Além disso, em 1806, o ano seguinte, Napoleão atacaria a Prússia e tomaria Berlim. Weimar se transformaria num campo de batalha.
Seria melhor ir a Viena do que ficar aqui?
Receber um salário para narrar sobre termas na corte. Imaginava uma vida muito mais tranquila do que ser perseguido pelos prazos de revistas e jornais. Além disso, Viena parecia mais quente, e o inverno de Weimar ficaria mais e mais rigoroso. A Alemanha é um país do norte, de latitude maior que a Ilha Sakhalin².
De qualquer modo, já não tinha motivo para continuar nesta cidade. Para mim, tanto Weimar quanto Viena quanto o Uzbequistão eram terras desconhecidas.
E além disso, pensei.
Aquela garota que encontrara em Karlsbald. Se não ouvira errado aquela canção que ela cantarolava, e fosse mesmo a Nona, certamente ela tinha alguma ligação profunda com o compositor Beethoven. E, nesta época, Beethoven deveria estar morando em Viena.
Resumindo, se fosse à capital, poderia reencontrá-la, e talvez ela fosse a chave para voltar ao futuro.

Liguei para cada um dos jornais e revistas com quem tinha relação, e disse que descansaria do trabalho por algum tempo, deixaria as publicações, coisas assim. Obviamente, os editores assustaram-se, irritaram-se, suplicaram ou choraram, mas não ouvia quase nada. O tempo todo, ouvia a voz daquela garota, cantando uma canção de felicidade, ecoar ao longe.

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Notas
Os termos musicais e referências históricas só aumentam daqui em diante, então peço para pesquisarem o que não conhecerem, ou as notas ficariam grandes demais. Além disso, obviamente não fui eu quem traduziu a Ode à Alegria.
[1] O que Freddie diz aqui, na verdade, é algo como “os homens se tornam companheiros de mesma mulher”.
[2] Ilha localizada logo ao norte do Japão e que pertence à Rússia.

Gostou? Acha que pode melhorar (só lembrando que esta versão não foi revisada)? Ansioso pelo próximo capítulo? Comente!

16 comentários:

  1. Grato pelo esforço na tradução (eu não tenho essa coragem toda para traduzir tudo isso sozinho)

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    1. Muito obrigada! Coragem precisou, mas, por sorte, o próximo capítulo é bem mais curto (tudo bem que o terceiro é enorme).

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  2. Essa Light Novel tem em inglês já? Porque se eu começar a ler aqui não vou aguentar esperar..

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    1. Não, a proposta do blog é justamente trazer conteúdo não disponível em inglês (e se quer minha opinião, acho que vai demorar). Ainda assim, o ritmo que pretendo manter é de um capítulo por semana, e duvido que você fosse achar coisa muito mais rápida em inglês.
      De qualquer jeito, obrigada por gostar tanto assim.

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    2. Acho que posso esperar por uma semana, eu vou ler :)

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  3. Gostei Muito obriago boa historia agora to abafado pra ler cap2*-*

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    1. Muito obrigada, acho que o capítulo 2 sai próximo domingo. ^o^

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  4. Como assim vai comessa o Dempa do 4 volume? foi ali que termino o anime, ou seria otra coisa?

    Quanto ao Gakusei Shoujo, vo esperar sair em pdf. ^^ mas des de agora ja agradeço... muito obrigado pelo trabalho duro... =D

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    1. Exatamente isso, o anime foi certinho até o volume 3 (contando com o episódio 13 que saiu depois).
      Muito obrigada pelo suporte com Gakusei ^-^

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  5. Ah... Estava ansioso desde que li o prólogo...hehe

    Muito obrigado por realizar esse ótimo trabalho...

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  6. Finalmente arrumei tempo para ler.
    Tomou um rumo realmente inesperado... Não gostei muito das mudanças que o autor fez na Europa e espero que o protagonista melhore futuramente, mas já vejo grande potencial.
    Obrigada pela tradução~

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    1. Obrigada por ler! Eu posso garantir que o protagonista melhora sim, e quanto às mudanças na Europa, também não gostei muito, mas elas ficam mais imperceptíveis conforme a história avança.

      Como disse, esse é o verdadeiro prólogo, então a história começa a andar e ficar muito melhor a partir do capítulo dois.

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  7. Finalmente peguei Gakusei Shoujo pra ler de verdade e gostei muito ^^ Quando tinha visto só a sinopse não me chamou muito a atenção mas agora que li é bem interessante
    Fiquei um pouco com pena do Yuki de principio, acho que ele não merecia isso que aconteceu com ele (eu acho pelo menos até agora)
    Gostei mesmo achei a história diferente dos livros em geral que tenho lido ultimamente e isso me chamou a atenção :)
    Ótima tradução e continue assim sempre XD

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  8. Kanin, o que aconteceu com o blog? Está parado há meses... aguardo o retorno...

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